A palavra rude de Romério Rômulo

11 junho, 2008 at 12:00 am 2 comentários

Por Régis Gonçalves

O título do livro mais recente de Romério Rômulo traduz com exatidão a natureza de sua poesia: Matéria bruta. Romério não é um poeta dado a refinamentos. A paisagem que se descortina a partir de seus versos é feita da aridez do sertão, seu chão de pedras e vegetação enfezada. Sobre ela, uma humanidade rude, amargando a dureza da vida, entre choro e ranger de dentes.

Se for possível estabelecer conexão entre a biografia e a obra, o percurso a que nos conduz a poesia de Romério Rômulo passa pela expressão barroca do imaginário sertanejo. Nascido no sertão do São Francisco, o poeta fixou-se em Ouro Preto ainda estudante e lá reside até hoje. Não é de estranhar que seja capaz de empreender com êxito uma síntese entre as muitas Minas que existem dentro e fora dele.

Buscando abarcar esses dois universos paralelos que se imbricam no infinito, o poeta se aproxima de uma anti-metafísica radical, originada do movimento contínuo de estilhaçamento/reconstrução do mundo a partir da matéria luminosa de seus fragmentos. Neles se ancora uma erótica que vai se disseminar pelo verso, contaminando a palavra, ainda que não dita.

Contudo, uma análise que se detivesse apenas nos fundamentos cosmológicos do gesto criador não faria justiça a esse artista que introduz na poesia brasileira contemporânea uma expressão original, personalíssima. Por traz da rudeza aparentemente tosca de versos, lavrados como que a golpes de facão, vibra a corda tensa de uma rabeca cujo som que se transfigura em sutilezas de violino.

É possível constatar na dicção intencionalmente áspera do poema de Romério – onde proliferam arestas e predominam os ângulos agudos – uma forma altamente elaborada, vale dizer uma inteligência que opera com sabedoria os instrumentos do ofício. A chave para compreendê-la está na verificação de como o poeta subverte a sintaxe convencional, elevando a linguagem a um altíssimo nível de tensão.

Sua poesia, com efeito, não tem compromisso com o ato reiterativo da linguagem discursiva, mas persegue outra finalidade, que é reinventá-la. A implosão da sintaxe empreendida por Romério Rômulo atinge o limite da compreensão possível do discurso, tornando-o por vezes enigmático, até mesmo hermético. Prevalece, no entanto, a combinação de sons e sentidos que faz ressurgir, no momento seguinte, uma inteligibilidade expressada quase que em sigilo.

Essa espécie de linguagem natural incessantemente buscada se ancora em duas matrizes de idêntica inspiração: o verso de Manoel de Barros e a prosa de Guimarães Rosa. Romério Rômulo mantém com esses autores um diálogo por meio do qual se identifica com a tradição eminentemente inventiva e regeneradora da linguagem. Que não se espere, portanto, da leitura de “Matéria bruta” uma viagem confortável pelo mundo das palavras. O poeta promete apenas uma difícil caminhada pelas agruras do verso, compensada ao fim e ao cabo pela revelação de uma autêntica forma de beleza.

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passagem por scliar e ouro preto matéria bruta

2 Comentários Add your own

  • 1. Maria da Conceição Paranhos  |  12 junho, 2008 às 6:24 am

    Meu amigo Fernando Fiorese me mantém a par de muito que eu desconheceria, o que sempre lhe agradeço. Conheci-o cá, na Bahia, em pleno sertão, num seminário. Imediato entendimento, a comunicação fluía. fácil. Eu sou urbana, muito urbana,cosmopolita. Mas tenho um pé bem fincado lá naquele sertão onde nos conhecemos (meu pai e sua ascendência).

    Teria de dizer isto para declarar meu encantamento com a poesia de Romério Rômulo. Talvez narcisismo. Porque todo o seu movimento erótioco nos temas e motivos me é familiar a ponto de eu pensar que seria possível, se fosse, eu ter escrito o poema. (Desculpe-me, Rõmulo, a modéstia não me é característica, embora eu esteja trabalhando sempre a admirável virtude da humildade).

    A poesia de Rômulo é feita de corpo: alma de corpo e corpo da alma. Ele sabe o que eu estou dizendo. Isso dói. E isso causa uma alegria doida, um tesão pela linguagem que não tem fim.

    Rômulo transa com a linguagem o tempo todo. Cuida do leito da palavra com devoção. Como todo místico. Como todo possuído por Eros.

    Sob a rígida e mesmo cruel vigilância de Apolo para que Dionisius não suje (demais) aquele leito.

    Sei que você entende tudo o que eu estou dizendo, poeta Rômulo. Sei. Em Roma já há uma disciplina, já não se morre do caos anárquico do desejo.

    Mais tarde estarei aqui, claro.

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  • 2. Romério Rômulo  |  12 junho, 2008 às 10:04 am

    maria da conceição paranhos:
    de início,o nome inteiro,até eu saber qual o mais adequado.
    amiga do fernando fiorese.o fernando é um militante da arte
    em geral,e da poesia,especialmente.se você se sente escrevendo
    o que fiz,estamos juntos.esta integração é que define a arte:você se sentir no outro.somos do sertão,nas origens.esta é uma união definitiva.o guimarães saiu muito,voltou porque estava impregnado,
    e se refez a partir dali.vasto mundo.quando você toca no erotismo permanente da minha poesia,eu o descubro.e sua palavra está
    definitiva na minha construção permanente.não dá pra “morrer
    do caos anárquico do desejo”.e nossa conversa precisa continuar.
    sua volta é esperada.estarei atento.
    um abraço.
    romério

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