Archive for fevereiro, 2011
a fala do Freud
eu namoro uma donzela
que só me fala do Freud
pra chegar mais perto dela
eu tomo muito alcalóide
digo que sou poesia
camarada do Adelzon
e um certo Carlos Scliar
fez meu retrato em crepom
meu parceiro Rufo Herrera
o pai do bandoneon
tocou tango em frigideira
só pra provar que eu sou bom
se alguém me dá um fora
e eu fico fora de mim
o Nassif vem na hora
armado com o bandolim
se a vida me descamba
e o meu corpo se enrola
Caçula me toca um samba
pelas regras do Cartola
o poeta Tião Nunes
um homem que é só amor
beija os meus versos impunes
como se beija uma flor
na fala do Manuelzão
meu companheiro de prosa
eu descrevi o sertão
muito melhor do que o Rosa
Hélio Delmiro vai fundo
só por ser um meu amigo
e Deus quando vem ao mundo
só vem pra falar comigo
se a moça não me concede
e eu tenho de saber Freud
ela manda, não me pede
mas vou tomar alcalóide.
romério rômulo
sujo, feio, maldito
o meu verso é um estrago
na linha do meu pescoço
o meu dente, só um bago
o meu corpo, puro osso
minha boca de ariranha
minha mão atropelada
minha ferida medonha
a minha pele rasgada
renasço. a cara lamenta
pelo buraco em que vim
e a minha vida nojenta
explode dentro de mim.
romério rômulo
30 colunas
quando as tripas da noite me envolvem
e sou um homem retinto de pavores
30 colunas perdidas me comovem
quando as tripas da noite me arrematam
e sou o peso morto das palavras
30 colunas tortas me chibatam
quando as tripas da noite me arrebentam
e 30 corvos me roem a carcaça
são as tripas da noite que me inventam.
romério rômulo
Desmantelo Azul
decidi. vou me mudar
pra terras do João Cabral
levo comigo meu mar
o meu bem e o meu mal
a vida desarrochada
o facão com mais de um dente
Capibaribe é a estrada
do meu corpo penitente
deixo aqui o meu apego
a casa monumental
levo meu desassossego
e um braço federal
vou plantar naquela terra
todo dia o amanhecer
meus inimigos de guerra
nunca mais irão me ver
vai pra mim aparecer
a moça namoradeira
caso com ela, vão ver
sob um verso do Bandeira
e se um dia eu me perder
por essas bandas do sul
me recolham no poder
do Desmantelo do Azul.
romério rômulo
entrega 1
entenda, meu irmão, sou indecente
na tua mão me deixo e me revelo
o corpo que é vão e nem é belo
não passa de uma carne reticente.
a musa que busquei é seca e ardente
com uns canais no corpo de vesúvio
e por bem pouco já mandou um eflúvio
de aspereza e rouquidão latente
e uns cabedais de couro intermitente
com vozes de estradas e resvalos
beberam em minha mão loucos cavalos
sobraram a terra e o lodo incandescente.
romério rômulo
tríptico do meu irmão
1.
trago comigo a má fama
de ser amigo de deus
que a minha estrada de lama
foi construída por zeus.
(tango)
2.
a carne que me embasa
é o oco que habito
não sou belo, sou a rasa
exatidão do infinito.
(cáctus)
3.
há quem corte o poema com espada
há quem corte a espada num estalo
há quem corte a garganta a palo seco
manuelzão corta a vida num cavalo.
(manuelzão 1)
romério rômulo
poema do meu irmão calado
a sua dor enterrada
a sua pele vazia
sua carne retalhada
esmagada à revelia
o seu osso desaguado
o seu baço corroído
seu lábio silenciado
o seu cancro já dormido
sua mão estrangulada
seu dente ferruginoso
sua arma desarmada
seu olhar mais rancoroso
o seu berro, a voz cortada
o infinito do fim
todos descem pela estrada
que morre dentro de mim.
romério rômulo
quando a vida, quando
quando a vida se esvai
do corpo do meu irmão
me revolto, paro o mundo
me atropelo de paixão.
não preciso de mais nada
quero a sua mão gelada
bem quente na minha mão.
romério rômulo
se eu fosse maradona 12, fragmento em elipse
se eu fosse maradona
ia ser muito esquisito
o meu cabelo dourado
não seria tão bonito
com a bola na minha zona
teria logo um conflito.
eu sempre fui lobisome
manchado de lua cheia
a bola que me resvala
é uma bola de meia
dou um chute, faço gol
minha alma, rubber soul
é uma aranha sem teia.
romério rômulo