Archive for novembro, 2008

(a affonso ávila)

ponte azulada. contos.
pela casa espalham documentos
tal e qual fossem eles os ungüentos
salvadores de cláudio na escada.

como affonso dedilha sua lira
pelos esconsos flagrados de escravos
a multidão em repulsa solta uns bravos
rugidos que incendeiam aquela pira

molhada de luz. soubesse eu dos versos
de cláudio na manhã em que morreu
diria aos ditames do reinado
cláudio é eterno: o rei enlouqueceu!

condenaria o rei a varrer pedras
e brumas da vila de sempre. em seu reinado
as pragas o teriam mutilado!

 
                        (ponte: contos)

                        (per augusto)

28 novembro, 2008 at 6:15 pm 14 comentários

destroncamentos

1.

túrgida e ventada manhã,
toda ela acesa.
duro ranço da noite. em verdade
martelos são macios se levados
ao fogo da paixão e perquiridos.

2.

e produzir umas clarezas tais
que não se faça ambigüidade equivalente.
martelar o afoito do dia,
reduzir a quirera da noite no sopapo.
rasgar latejamento, sangue podre.

se sobra escuridão, que assim seja!

 
(destroncamentos)

27 novembro, 2008 at 7:54 pm 6 comentários

poema

é texto de palavra atada e fugidia.
rasgo de alma, fosse chuva e sol.
antípoda gerado eixos: fome, alimento.
alma súcuba de traços: vento e chumbo.
tiro borracha e madeira, certeira testa.

O solto, o desastre, o aço preso do corpo,
em pétalas e mãos, estardalhaço.

 
(o poema)

27 novembro, 2008 at 7:30 pm 8 comentários

(para marco refundir caminhos)

pedras e pétalas, atos de vontade.
um assemelha o herói ao astro,
guia de sinais.
outro referenda o desmazelo de ser,
recomenda seja seu extremo
aquele outro.

quantos de nós se sabem pétalas e pétalas
se dizem pedras?
quantos, à sua testa roçada pela pétala,
a interpretam pedra?
que diferença há se ambas são vontades?

21 novembro, 2008 at 9:52 pm 20 comentários

inventor de resto

“sebastião g. foi cagador de moitas.
alevantino de bandeiras. pavilhão erguido
em clubes, cerca de trem doido. ora foi.
maldade ampla e reticência surda.”

20 novembro, 2008 at 9:50 pm 2 comentários

tempo quando

a madrugada no capim
traçamos, o pai e eu,
em trilhos no cerrado.
à frente, ele rasga.
piso-lhe o passo.
cancela primeira vai.

olhamos lados que vacas
estercam com seus corpos.
corpo bovino é luz
de sentir, se não de se ver.
o pai vê atos nos rastros:
se vinda, ida, tempo.
cancela segunda vai.

canto, curral, bezerros misturam tetas.
esguichos arrabaldes, espumas
pavoneiam sua herança do mar:
se não há bater nas pedras
há som de balde, picado.
a peia garante calma.
o laço estanca brabezas.
o mar é brabo tamanho
porque não se viu sertanejo.

cancela do mundo vai.

19 novembro, 2008 at 9:50 pm 13 comentários

Todo grande poeta tem sua voz e vez

Sebastião Nunes
A poesia é a mais difícil das artes da palavra. Difícil de escrever, difícil de ler e difícil de apreender. Existem poetas tão complexos que só toleram ser compreendidos depois de longo aprendizado e várias leituras. Mas existem poetas tão simples que entregam o ouro logo de cara. No primeiro caso, temos Augusto de Campos, cuja poesia até hoje engasga boa parte dos leitores, cultos ou não. No segundo, temos Manuel Bandeira, dono de uma simplicidade maliciosa, que se deixa entender por qualquer leitor medianamente cultivado.

Essa gangorra vem balançando ao longo de toda a história da poesia, antiga ou moderna, como um pêndulo de movimentos aleatórios e oscilações imprevisíveis. Existem poetas ótimos, bons e ruins em ambas as tendências, sendo que a maioria dos ruins se perpetua atolada no meio do caminho, por falta de coragem, ousadia e – pior – de cultura.

Na segunda metade do século 20 tivemos, no Brasil, vários exemplos maiores dessas tendências, sem que um superasse o outro, já que o grande poeta é insuperável, incomparável e imensurável. Darei alguns exemplos brevíssimos.

Vejamos Adélia Prado, bizarra senhora que, de repente – não mais que de repente –, soltou os cachorros e botou na rua sua lírica confessional, que atoleimou os tolos e sublimou os degustadores da poesia rica, nova, original.

Quase simultaneamente surgiram Glauco Mattoso e Paulo Leminski. Frutos da generosa árvore concretista, não se tornaram epígonos. Excelentes poetas, foram capazes de aprender com os mestres e seguir em frente, abrindo suas próprias trilhas nos espinheiros da linguagem.

Antes deles, mas muito antes mesmo, o pantaneiro Manoel de Barros extraía proezas do lamaçal verbal, encantamentos das folhagens da língua, proezas e encantamentos que só foram percebidos muitos anos depois, com o poeta já velhusco.

Todos marcaram sua época, pois foram, e são, poetas referenciais. Pairam acima de correntes e tendências. Fundaram-se a si mesmos.

Pois bem. Eis que agora, depois de palmilhar longamente as estradas tortuosas da poesia, experimentando caminhos, atalhos, veredas e trilhas, em livros que indicavam o rumo mas não desvelavam segredos, Romério Rômulo desencanta de vez com Matéria Bruta, um livro que tem a grandeza e a maturidade dos poetas maiores.

Estamos diante de um poeta novo e original, autor de uma poesia radiosa como as primeiras manhãs do mundo, como toda poética fundadora. Mas gostaria de alertar: leiam devagar, lenta e pausadamente. Sintam os versos e os ritmos como eles se oferecerem. Porque estamos, perdoem se insisto, conhecendo a técnica sofisticada de um poeta inaugural e, por isso, na presença de um poeta que se tornou grande pela busca pessoal, individual, solitária. E que chegou lá, oscilando perigosamente no fio da navalha da linguagem, lá onde ela, a autêntica poesia, sopra quando quer, e só quando quer.

Como aperitivo seguem dois poemas escolhidos ao acaso, já que o nível nunca baixa e o tom é sempre alto.

a chuva que me habita não é chuva,
é um quadrado oblongo de facetas.
a quina do meu lábio, cada fresta
há de conter o rasgo destas almas.

as almas que te habitam são tão seres
que possam mergulhar na tua alma?
acaso, se carregas, tens um olho
que sabe a múltipla face do meu rosto?

tentar pode ser mais, e se me levas
te trago incorporada, último dia.
(adentro o verde cinza da manhã)

o tumulto do corpo pode ausências.
calar tem por demais, arrefecido
instante da manhã chamado vento.
uns mistérios, dizer o mais que sono
sem a palavra livre revelada.

quando uma carne concebe, intimamente,
uma outra carne rasura seu instante
mais breve de pedra. e saber
aquilatar é tudo, face o tempo.

que outros mais dizer irão, somente,
sabedorias se nem cabe a rouca
lamúria que no lábio sempre espera
pelo espaço de só ser lamúria.

(o corpo pode ausências)

17 novembro, 2008 at 10:21 am 14 comentários

quando manhã te nasce

quando atrozes instantes te fizeram noite?
quando manhã te nasce do torpor?
é vida, se vivida à fome e frio?
quando atrozes instantes te fizeram noite?
quando manhã te nasce do torpor?
é vida, se vivida à fome e frio?

vida assim, se retalhada em noite
te cabe do vazio a só morada
de um tempo que é manhã sobrevivida.

recanto, atroz de instantes tão perdidos
nas vidas regaladas destes olhos,
olhos da fome, doces, extirpados
de um saber ser vida toda noite.

vou, por agora, recorrer da noite.
(quando manhã te nasce)

13 novembro, 2008 at 5:39 pm 8 comentários

estas ruas, estas voltas soltas

minha ouro preto é feroz
como o corpo que se mata.
de luzes não reveladas
de astros não-todo-ditos
de falas secas na noite.
cidade de inconfidências
e revezes
ouro preto, esfarelada
de chuvas e mãos varadas
por turbulências e pragas.

(per augusto)

5 novembro, 2008 at 8:24 pm 23 comentários


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