ítaca e áfrica
de ítaca roubei helenas tantas
em áfrica montei os sete mares
casei-me com mulheres todas santas
cobri meu corpo gasto de alamares.
as vidas são mais tantas e mais quantas
em muros e desejos sacripantas
castrados e vertidos pelos ares?
poetas são delírios bem vulgares.
romério rômulo
o dedo de caravaggio, 1
eu vou morrer dos licores
avermelhados, chumaços
entalhados em pedaços
dos mares dos teus amores
no podre destes espaços
molhado pelo de cujo
encontrei o santo sujo
das tardes e dos mormaços
por onde extravio as dores
vou montar estardalhaços
com meus estritos pavores
no corte dos teus embaços.
romério rômulo
prumo
não vou tratar de inimigos
não vou trazer rancor na minha pálpebra
não vou deixar a pressão fora do prumo
me ame quem quiser
meu olho é sujo
toda noite há um cão no meu espaço.
romério rômulo
fragmento das bigornas
se pensas que me adornas
no corpo dentro de mim
vou martelar as bigornas
nos pelos do teu jardim
o resto são carnes mornas
já vindas de onde eu vim
eu quero ver se me entornas
nos pelos do teu jardim
vou martelar as bigornas
no corpo dentro de mim
bigornas contra bigornas
mas vindas de onde eu vim.
romério rômulo
30 junho, 2013 at 2:47 pm romerioromulo1 Deixe um comentário
a língua de camões
1.
mais amaríeis meu cortado canto
se mais soubésseis como sois amada
e navegásseis pelo meu espanto.
2.
se me amásseis tamanho eu vos diria
da dura solidão dos precipícios
da falsa imensidão dos sodalícios
da cortada razão dos meus ofícios
se me amásseis por certo eu vos diria
e a minha voz em voz por todo canto
decerto iria quebrar-vos em espanto.
3.
senhora, eu vos amei por tanto, em tudo
que de camões busquei o meu primeiro
estado de um estado verdadeiro
e vos cantei canções que são veludo.
4.
se os arcabouços meus em vós levásseis
e se dormísseis no meu louco porto
e mais amásseis o meu antro torto
e se acordásseis meu poema morto
faríeis meus duelos bem mais fáceis.
romério rômulo
ser carolina é fatal
ser carolina é fatal
(para chico buarque)
vou encontrar carolina
no branco do meio dia
no branco daquela pele
pétala de roseiral
num verso que me fogueia
ser carolina é fatal.
romério rômulo
maradona é o teorema
1.
esganei régua e compasso
pra montar o meu esquema
abracei todos e abraço
meu sentido de dilema
se embaço ou não embaço
minha carne de morfema
pelo corpo de embaraço
eu nasci e ainda nasço
abrasado no poema:
o poema é meu espaço.
eu trago como problema
maradona no pedaço:
maradona é o teorema.
2.
maradona e lampião, à revelia
são o pecado perfeito da poesia.
romério rômulo
uns idiotas me pararam
uns idiotas me pararam
e me disseram umas poucas e boas:
que eu não caminho direito
e nem bato continência como devo
que a minha contra-mão é perdida
e só eles dominam os arcos do mundo.
só eles sabem
e eu nem sou a revelação de um segredo.
contra eles eu só carrego a nudez do dia
e um desejo à esquerda da terra.
romério rômulo
as deusas de Kandinsky, 1
as deusas brancas:
chumaços de algodão
pelas barrancas
as deusas negras:
extratos de carvão
das trancas
as deusas, luzes
fumaça, contração
de obuses.
romério rômulo
rivotril, 44
rivotril, o levedo permanente
versa tudo do couro menestrel
sua boca, retorta, puro dente
morde mais do que bala parabel
como carne travada, incandescente
numa terra montada a leite e fel
todo dia põe guizo na serpente.
rivotril é o diabo. foi pro céu.
romério rômulo
terras, 2
a musa que me escorraça
é pura agonia lenta
cozida em samba e cachaça
madeira, fogo e fumaça
por terras que não se inventa.
romério rômulo
licores, 5
de tudo, meu bem, me lembro:
não chegaram, por ainda
os licores de dezembro.
do teu amor me padeço.
me faltam agora, viu?
na minha paixão infinda
os teus licores de abril.
de nada, meu bem, me esqueço.
romério rômulo
vou me casar com clarice
vou me casar com clarice
1.
se eu me casar com clarice
-scliar que me responda-
terei de usar terneta?
terei de virar asceta?
o que faço? desde onde?
crio alma de poeta?
2.
depois das paixões mais loucas
depressões, esquisitices
scliar a vai pintar
e eu me caso com clarice
se surgir algum desvio
destes de último ato
pela costela de um rio!
me caso com seu retrato.
3.
quando a moça caminha pelos pastos
seus cabelos de nuvens, insensatos
os seus elos do mundo, tantos rastros
dos cavalos que roem alabastros.
4.
depois de festas vadias
clarice e eu nos amamos
nos rasgos da noite pia
clarice e eu nos casamos
na borda da luz do dia
clarice e eu nos matamos.
romério rômulo
a musa te arquiva entre os devassos
(remontar a musa, 1)
remonto a musa pelo seu joelho
junto bedéis, verrumas, um artelho
um gato vil, cruel como abril
feitiço nu bordado no espelho
nonada. a musa é a dura madrugada
que te consome a carne numa espada
que te corrompe o corpo feito nada
que te arranca o olho na mirada
comidas as missões, puros espaços
montadas solidões dos meus abraços
rimadas as monções e os seus traços
soçobram os navios nos bagaços
somados os pedaços, todos lassos
a musa te arquiva entre os devassos.
romério rômulo
sobre dezembros vamos dizer amanhã
abri minhas pastas e livros
e só encontrei dezembros.
sempre o final dos tempos
que me persegue e me atrai.
vi as noites, os taludes, os cachorros e seus antros
todos a lamberem dezembros.
meu olho indevido e a minha carne suja
pisaram os dezembros do corpo.
somos o implícito do tempo, a pele seca das garças
o antemão de tudo.
vestido em viagem
pus meu olho a serviço das pragas
revelei todas as tentações
e despejei meus desejos sobre o amiúde da vida.
o sopro do meu lábio e o vale do meu dente
só mostraram o tempo lavado.
sobre dezembros
vamos dizer amanhã.
romério rômulo
nau francesa, 1
seu rosto de framboesa
sua carne de marfim
uma carne eterna acesa
do lábio por onde eu vim
seu gesto de nau francesa
tudo princípio do fim
quero saber da torpeza
que bate dentro de mim.
romério rômulo
23 dezembro, 2012 at 6:09 am Romério Rômulo Deixe um comentário
ordem do dia
ordem do dia
chamei os amigos à ordem do dia
e decidi revelar-lhes o estanho da cara:
quanto de mim é um anjo
e quanto assombração e pedra.
ficaram as vergonhas, todos os silêncios
e as vidas dos silêncios.
desmontei das sombras
e me afundei nas aguadas.
os cavalos, sobrados em pelo,
caminharam sobre a terra do cão.
romério rômulo
meu anjo do sertão, 1
sobre mim há um olhar de só paixão
e um olhar bem maior que me odeia
manuelzão traz cavalos numa peia
com as éguas, estrelas do desvão
sua mão me defende e me rodeia
fui benzido nas águas do sertão.
romério rômulo
maradona e joão cabral
joão cabral quebrou a porta
cortou um pé de jurema
maradona driblou reto
e descreveu o poema
cabral respondeu: de certo
maradona é um teorema
e o teorema mais perto
teceram pelas manhãs
com o gado na invernada
usaram só um dobrado
dos seus benditos punhais
cabral com a rima seca
mais seca pelos sobrados
maradonas infernais
maradona foi refeito
na linha de pernambuco
topou com o rio ganges
onde comprou um trabuco
e montou umas falanges
pelo verso mais perfeito
com cabral, elo maluco
descrevo o circo sem lona
onde tudo é tal e qual
ah! se eu fosse joão cabral!
ah! se eu fosse maradona!
romério rômulo
fragmento por joão cabral
o amor comeu minha mentira, meu riso, minha dor.
o amor comeu o meu escasso e o meu amplo
o meu terno e a minha companhia.
os meus dedos se perderam nas suas procissões
nas suas leituras e cadências.
quando o amor chegava eu via o desespero da morte.
romério rômulo
12 julho, 2012 at 4:55 am Romério Rômulo Deixe um comentário
quando todos partirem
1.
quando todos partirem
eu vou ficar sem muros
e o silêncio dos cachorros
vai desabar sobre mim
penso nas ladainhas a rezar
nos bancos que serão meus assentos
e na ausência das aves
as pedras do meu olho
vão cair nos rios
e a minha mão
vai moer as cordas do tempo
pela noite
minhas facas saberão das noites a cortar
dos bichos a saber
e do meu corpo desfraldado
as carnes não deixarão rastros
e o ferro das ruínas
não caberá no poema.
2.
quando o mundo acabar
vou mutilar meus braços
meu hálito, meu desacerto.
quando o mundo acabar
vou desatar a glória
dos deuses correntes:
todos os diabos vão ficar nos cantos
das vias destratadas
os sóis serão banidos
e o começo de tudo estará pronto
(cozido, costurado, morto)
no adro do tempo
nem o meu coração tremido
vai bater.
romério rômulo
dig it, Seamus Heaney!
dig it, Seamus Heaney!
na poesia
debruçar sobre as vogais
os cerrados
e revolver as mulas da infância
quanto tempo gastei meu corpo bêbado
sobre os montes de terra
com as ferragens cozidas
pelos modos das gentes do meu povo
quantas guerras fiz
no meu braço de arame
que comia hóstias, corpos de santos
e moças fora do tempo
quantas sílabas contive nos dentes
com todos a me cobrar
a dívida da história.
são outros os perdões que eu mesmo peço.
romério rômulo
a orelha dura de van gogh
a minha carne é extrato em ferro
de uns demônios que destroem, loucos
os pavimentos do mundo e me cancelam
umas linguagens mortas, destratadas
pelo desejo de uma mão dobrada
que lhes entregue o morto a cada noite
quando romper o escuro é permanência
quando subir tapumes é maldade
ao me sobrar o canto iluminado
pela boca febril de caravaggio
pela orelha dura de van gogh
neste fantasma de casa que me cerca.
romério rômulo
vila, 1
esta vila é uma verdade
plena de matos e pedras
rica de ouros e águas
espraiados pelos corpos
que ontem se viram escravos
nos atos mais comezinhos
onde cada ponte leva
onde cada água afunda
a memória dos algozes
do ouro por sucumbir
em lanhos, facas, machados
nos próprios ossos das gentes?
quanta carne se abriu
nos cantos desta cidade
que a fizeram roer ossos
e quebrar-se pelas pedras
entremeadas, devotas
com verdes caldos de lama?
o seu corpo é do diabo
a sua alma é fundida!
romério rômulo
montar a musa, 5
montar a musa, 5
montar a musa é mais do que fatal
que além de tudo a engrenagem entoa
(que importa a mim se a bicharia roa?)
e eu enfio os pés no lodaçal.
juntadas as regiões nobres e as paletas
lavradas em oficinas, todas elas retas
montá-la é desmontá-la pelo avesso:
onde faltar questão, eu ponho gesso.
romério rômulo
quando um bordel me ocupa
minha casa é um agasalho
ocupado por scliar
onde afro-sambas e baden
vinicius, guignard, clarice
caminhavam seus direitos.
nos seus domínios inteiros
um minotauro vigia
as portas inanimadas
onde tantos que passaram
não passam mais por inteiro.
fugiram pelas paredes
levaram os seus cordéis
suas artes, suas frestas
seus corpos de pura sede.
umas terras me contornam
uns gados me alumiam.
alices, joaquinas, vós
celinas, mães ressecadas
me alegram a paciência
de lembrá-las por meu corpo.
quanto de mim vale um anjo
quando um bordel me ocupa
se os atos dos cilícios
não me contêm os pecados?
romério rômulo
quanto de mim vale um anjo
quanto de mim vale um anjo
se cada vazio oculto
se traduz por um diabo
na alma cheia de dentes
meus cavalos e pedreiras
minhas glândulas atávicas
os umbrais da minha sede
prontamente se revelam
uns bois de olhos sagrados
me contemplam com seu dorso
de pura dureza vista
nos antanhos já bebidos
são anjos, demônios, roncos
de uma pele atrevida
já pisada de histórias
e pratas não semeadas
quantos deuses me engolem
quantas almas me sufragam
se a avó em ato louco
pôs suas asas sobre mim?
romério rômulo
maradona entrou na dividida
jesus cristo jogou para a platéia
maradona entrou na dividida
como entra no mundo a fé parida
a conter qualquer deus da galiléia
destoado nas vigas do sertão
por saber que a ventura desta vida
é a cabrocha, o luar e o violão.
romério rômulo
eu sempre amei demóstenes, 1, fragmento
meu desacerto com as águas
é pedra e ranço.
mandei as cachoeiras ao rebate dos bichos
ao estranho das coisas
à entranha do cerrado
ao último cerrado
à última instância do cerrado
em cada mão que me contém já morto.
romério rômulo
carcará e maradona se bicaram
carcará e maradona se bicaram
pelos céus João do Vale do brasil
maradona movido a pé na bola
carcará decantado à dor de abril
carcará e maradona, à mesma hora
desataram o mundo que os pariu.
romério rômulo
maradona é o caminho
apertei a lua cheia
no olhar da macambira
na fuga certa da teia
no extrato do horizonte
pura pedra, rala e monte
no calor da minha veia
o que na vida me atrasa
não posso fazer sozinho
já pisei em cova rasa
nasci na pele do minho
caldeirão é a minha brasa
estes lençóis são de linho
um surdo doido me arrasa.
sinfonia é só a nona
virgulino é meu caminho
ah! se eu fosse maradona!
romério rômulo
maradona carcará
maradona carcará
maradona rasgou um pé de vento
já pregado no bicho carcará
bem olhado num verso lá de cima
maradona el pibe tá e num tá
perguntado se a vida é pura rima
maradona responde: é o que há
se a rainha brigar com maradona
ele pega no umbigo inté matá.
romério rômulo
22 abril, 2012 at 5:11 am Romério Rômulo Deixe um comentário
pelos 2 o sertão já virou mar
pelos 2 o sertão já virou mar
(maradona e conselheiro)
o sertão, meu amigo, é um inferno
onde um anjo harpeja seu delírio
quando a terra lavada é o martírio
a grunhir a desgraça ao padre eterno
maradona rasgou a travessia
com uns gados de múltiplos talentos
suas pernas rugiram como os ventos
que ressaltam os sons da romaria
viva joão e josé, salve maria
num bagaço de vida e de tormentos
seus chamados ao cristo criador
às vestais, todas puras nas igrejas
já nascidas nos antros do calor
orações todas prenhes de assim sejas
conselheiro, secreto sonhador
fez chegar seus desejos de igualdade
numa luta de fé e de verdade
pra valer os milagres do amor
que coubesse um diabo relator
nos sertões de euclides, nas vontades
das mulheres, crianças, do terror
pela terra ao rolar das vaidades
no sentido final do que é amar
maradona e o antônio salvador
que fizeram volantes se amargar
batem bola nos campos do senhor
o sertão, pelos 2, já virou mar.
romério rômulo
millôr & picasso
de millôr a picasso
o mundo é um puta
fracasso.
de picasso a millôr
o mundo é um estado
de horror.
romério rômulo
entrega
entrega
fui agora pedido em casamento
entre pragas, estragos e atropelos.
uma noiva por dia eu invento!
faço o quê pra cuidar dos meus cabelos?
romério rômulo
se eu fosse maradona, 37
se eu fosse maradona, 37
mesmo tomado de horror
devo beber cortisona
pra curar males de amor.
ah! se eu fosse maradona!
romério rômulo
maradona, lampião e padim ciço
maradona, lampião e padim ciço
lampião era pitoco
arretado no facão
padim ciço do pau oco
maradona confusão
remataram uma tormenta
botando fogo na venta
atrás da revolução.
lampião chegou primeiro
arregaçou o sertão
padim ciço, canhoteiro
botou água no feijão
maradona viu a bola
marcou um gol de canhão.
no olhar de maradona
visto quem chegou primeiro
che guevara com fidel
atrás do seu cancioneiro
pra fazer revolução
padim cícero romão
virgulino lampião
há que ter tiro certeiro.
o primeiro que arriscou
só levou chumbo na venta
mais feroz do que socó
mais ardido que pimenta
o segundo, bem maior
arrebentou a placenta
o terceiro gritou “nó”
isso aqui ninguém aguenta.
mais chegaram, mais morreram
não teve cabra sobrado
coronel foi bem mijado
e jogado pela treva
adão chegado com eva
gritou: minha condição
de homem daqui do eito
eu nasci neste rojão
onde a vida só tem jeito
no balaço e no facão
entrega meu paraíso
daqui eu não saio não.
pra salvar tião nuné
bocaiuvense de fé
maradona deu a mão.
romério rômulo
os mestres, os vandálicos, os loucos
1.
os mestres, os vandálicos, os loucos
não são os todos, e nem são muito poucos.
seus edredons são peles de camelos
suas carnes se respaldam em novelos
seus ovos são férteis nutrientes
a desmanchar e recozer os dentes.
quantas manhãs os vi a trovejar
os seus bafejos chegados d’ além mar.
2.
seus atos dominados por bobinas
se atropelam em todas as esquinas.
romério rômulo
cavalos, maradona
os meus cavalos, estados do concreto
ao desmontar as dúvidas nos campos
desdobram luzes, quebram pirilampos.
cada cavalo é linha. todo cavalo é reto.
endoidecidos, as vidas pelos tampos
cavalo é um tormento. cavalo é um projeto.
no campo sempre, com o nervo pelo talo
há um maradona em estado de cavalo.
romério rômulo
medusa amarrada, 1 (maradona)
como sei disso tudo amigo meu?
são os astros de atenas revelados
na estátua cravada em ferro gusa
sobretudo nos olhos congelados
maradona se toma de perseu
e amarra os olhos da medusa.
romério rômulo