se eu fosse maradona, 32
procuro palavra a frio
pra rimar com maradona
encontro um bago de rio
uma mulher, uma zona
um encanto de madona
o estrilo das pipetas
nos camburões. as buretas
que aquecem todo gol.
a perna que arremata
um pão chamado baguete
uma bola feita alma
treta, preta, bola sete
que tritura a minha calma
de desditar a rainha:
uma beth não bendita
arrematada na tripa
de um gago feito rei.
maradona passa a bola
a kusturica. a degola
faz-se em nítido segundo:
gol na rainha da zona!
maradona é todo mundo.
ah! se eu fosse maradona.
romério rômulo
carpintaria, 1
1.
pelo grosso
as musas só me roem a pele e o osso.
2.
no geral
as musas só me fritam em água e sal.
3.
num cambão
as musas me derretem em solidão.
romério rômulo
travessia, 1
se ela quiser eu vou
faço logo a travessia.
manuelzão já me chamou.
inda que seja na cheia
atravesso o vau de rio
com um cavalo na veia.
o sertão é gado limpo
música semi colcheia.
com que roupa eu chego lá?
que pente que me penteia?
romério rômulo
rivotril, 16
a moça sugeriu a camomila
pra segurar meus cálidos pavores.
mas o diabo é sempre a minha vila:
aqui só servem rivotril. sem flores.
romério rômulo
aço, 1
eu construí a musa de improviso
com uma carne feita de maçã
e uma terra certa: o paraíso.
mas eu padeço de febre terçã
e o seu olhar de aço foi o aviso:
a minha musa é toda em rolimã.
romério rômulo
o braço de manuelzão, 1
minas é um rio comprido
como um cachorro latido
no braço de manuelzão
eu olho minas de perto
como tecido coberto
pelo balaço do mar
manuelzão e mar são coisas
de fazer minas chorar.
romério rômulo
sal, 1
morrer é um traço musical
desmanche da carne,toque de instrumento
navio aportado, soco duro.
a vida assombrada é um fragmento
emergido da terra, uma fogueira
onde a terra sem vida é uma beira
emoção do que é doce e virulento.
navio aportado, soco duro
o corpo me carrega em sal impuro.
romério rômulo
minha poesia está solta na vila
sou o poeta canônico
das estrofes adversas, dos terrenos baldios
dos dezembros de osso e pedra.
elevo a inflexão nos sonetos
como um antônio das mortes.
os loucos e os bichos me ouvem.
já fiz orações a vieira, a antônio de pádua
aos apóstolos pedro e paulo
a vinicius e baden.
rezei com os tincoãs na freguesia
e os muros lavaram os meus horrores.
minha poesia está solta na vila.
romério rômulo
eu sempre fui ao coração das coisas
eu sempre fui ao coração das coisas
revelei minhas tripas aos insensatos
e velejei pelos mares mais torpes
em busca da ciranda.
parti todas as lanças que me mandaram
e, no último instante, arremessei meus ossos
no lodo.
quando virem um ser penado
uma vaga incandescente nas valas
contem certo:
sou eu atravessado nos pastos.
romério rômulo
a sua pele branca de algodão, 1
a sua pele branca de algodão, 1
não fujo de uma rosa dolorida
nem quero a solidão tumultuada.
para morrer eu só carrego a vida.
romério rômulo
montar a musa, 1
montar a musa é um estado lindo
por só cair em exercício findo.
os pedestais, coivaras e delírios
são pontes soltas pelos meus martírios.
quanta poesia rebelde e insensata
já me queimou na esfera correlata!
romério rômulo
anjo ruivo
há
um anjo ruivo
que decide a noite
escava gavetas
faz o translado dos dentes
cuida das pontes
arranca os medos e os berros
um anjo ruivo
que varre e acerta bandolins
aperta poetas vadios
diz o nome dos bois
arranca os aços da vida
um anjo ruivo
que lava
a poesia ressecada.
romério rômulo
fragmento, 1
fragmento, 1
quando eu morrer amanhã, não interrogue
da só devassidão dos meus ofícios
eu deixo um girassol, como van gogh
e um afro-samba travado de vinicius.
romério rômulo
lampião e maradona, fragmento
lampião e maradona, fragmento
sou um cabra danado de vazio
cada furo que faço é um arrepio.
cada poça de água, ceará
bem-me-quer, mal-me-quer
mas não me dá.
romério rômulo
mote para dezembro, 1
eu deixo a casa vazia
meus cavalos d’além mar
um caravaggio nos ossos
um maradona no olhar
um goya feito do avesso
meu corpo sem endereço
se dezembro me matar.
romério rômulo
não consigo me livrar desse poema
tenho medo.
o medo de viver sob essa pele,
o medo das mulheres que me absolvem do pecado,
o medo do câncer que termina em morte.
medo das estradas sem caminho,
do envolver o espanto do meu olho
e derivar os poemas da noite.
medo dos cachorros é o que tenho.
tenho medo dos cavalos,
da beleza que destilam
quando eu não consigo a coragem de vê-los.
tenho medo do olhar,
de todos os olhares:
a vida lhes pulsa o meu medo
e só me cabe retê-los um pouco.
o grande medo,
o medo que estarrece,
o medo que me promete a explosão da carne,
é o medo da pele que me come
e eu não vejo.
não sei da vida,
não sei da morte e suas atrofias
e me revelo no medo.
tenho medo da loucura,
das mentiras e verdades que me roem,
do meu sono e da minha insônia.
o suicídio é um alento carregado de medo:
o medo do fracasso.
a coragem
é o arremedo
da minha clave escondida.
de todos os medos
arranquei meu dia
e não consigo me livrar desse poema.
romério rômulo
dados, lance 1
se bem me esqueço
nascer é tropeço
se bem me lembro
morrer é dezembro
tudo é um jogo
de terra e fogo
a embebedar
a água e o ar.
romério rômulo
o dezembro de Kafka, 1
a neta de Kafka
foi colhida nas máquinas de um senhor de 12 anos.
retrato brusco,
desde então há um risco no meu olho
meus cavalos mostram impotência
as vestais se amputam na pele
o absinto desova suas águas.
censurada
essa mulher é a pedra do meu rim.
devem ser razões do próximo dezembro.
romério rômulo
dezembro 1, 2
1.
neste dezembro eu vou pisar o estio
com toda a truculência do vazio.
2.
me declaro cavalo e pecador
temporais de um corpo inexistente.
em dezembro me caso por amor.
romério rômulo
o corte da terra
a vida, solidão, toda impotência
caminha numa pele de novelo
onde ela rasga a carne em desmantelo
a demonstrar ao mundo abstinência.
pudera ser mais torpe e mais estrada
nos meus cavalos, encantos, aguaceiros.
a vida se acabou em quase nada.
romério rômulo
éguas, aquedutos e estradas
as musas de concreto sublevadas
são éguas, aquedutos e estradas.
por veias e vielas eu já soube:
fui o último poeta que lhes coube.
em cammonds, cabrais e águas lusas
os meus cavalos se matam nessas musas.
romério rômulo
tarefa, 1
recolho a tarefa concreta
de levar a poesia ao descalabro
e à liberdade.
visto a tarefa concreta
de aspergir de poesia cada osso
e o pão devido.
sem a tarefa cumprida
estarei inútil.
romério rômulo
à clara moça dos poetas
sou casto pelo corpo e suas névoas
na rouquidão das guerras que nos partem
nas armas mais sutis que nos magoam
o corpo e a alma das vertentes podres
só me abalam em terras arrasadas
de aço chucro, de cimento aspro.
você é a clara moça dos poetas.
romério rômulo
musa, 15
montei o mal em pelo
cadenciei a vida
a força que me aguenta
deixei a minha raiva na sua venta
no calo mais feroz da madrugada
a musa que me coube foi domada!
romério rômulo
a vida, augusto!
os cordéis da morte me perturbam.
saiba eu quando virá a companheira
quero revê-la, à tarde, por inteira
como agregado de cal à própria sorte.
a vida, augusto, já contém a morte!
(“per augusto & machina”, 2009)
romério rômulo
o mais armado dos homens, 3
sou o mais limpo dos homens.
as orelhas, vão do corpo, abelhas
têm perfumes, extratos e odores
que mais parecem um ramal de flores
no trovejar do mundo em centelhas.
romério rômulo
menestréis, 1
os menestréis do mundo são bem poucos.
uns arrebentam amores enlutados
outros se encantam nas paixões, já loucos.
romério rômulo
o mais armado dos homens, 2
meus olhares são frases depravadas.
minhas chamas no mato, minhas fadas
arrebatam o tronco das manadas
de bois, todos eles meu tormento.
as suas carnes pacientes eu invento
a debelar as fomes povoadas.
romério rômulo
lilith, 1
essa mulher tirou o bem do mal.
seu nascimento explica o mundo e as sobras.
eu sou o bêbado da fonte principal.
romério rômulo
maradona é o aço do sertão
1.
chamei um cancão de fogo
cangaceiro arrematado
pus maradona no jogo
pra fazer logo o melado
o homem já sabe tudo
num violão de veludo
toca bem tango e xaxado.
2.
no olhar sagrado do cancão
maradona é o aço do sertão.
romério rômulo
e só, é tudo
me decidi te ver
inteira, nua
uma mulher que é vento
e que é rua.
me decidi te amar
em meu quebranto
uma mulher que é sopro
e é espanto.
me decidi dizer-te
e fiquei mudo
uma mulher que é só
e só, é tudo.
romério rômulo
poesia, 5
eu não faço poesia
e encerro o assunto
é preciso o mundo
a roda do mundo
a mão humana do mundo
a poesia só vale
se trouxer comida mas mãos.
romério rômulo
curva, 1
a poesia é seca
tem alma de deserto
pele curva
a poesia é suja.
quem não quer a missão
saia de perto.
romério rômulo
rivotril 14, 15
14.
cappuccino amanhece desabado
pelas cores da pátria mãe gentil
com as veias no lance deste dado
o meu tubo letal de rivotril.
15.
cappuccino é um desvio de conduta
pelos céus encerados do brasil
minha musa, a mais filha da puta
cai de amores aos pés do rivotril.
romério rômulo
ópera, 1
no minifundio de roupa
amarrado por ingaços
caibo eu, cabem as tramas
minhas obras, meus abraços
meu muro, todo de espaços
meu palco, santo vazio
meus amores mais devassos
a seca feita no cio
as cantigas, todas lama
as águas destes meus poços.
quanta vida pela rama
na folhagem dos meus ossos!
romério rômulo
poesia, 5
há poetas que cozinham
noite e dia
na suave oficina da poesia
eu cozinho a poesia
chifre e rabo
na dura oficina do diabo.
romério rômulo
musa e vestal, 1
1.
a musa e a vestal são meus abismos.
se abro uma, contém mirabolâncias
se abro outra, descubro silogismos.
vou revelá-las em todas as instâncias
cobertas de razão, mas sem juízo.
2.
a musa e a vestal são as amantes
do meu corpo imperfeito de narciso
e cegamente refletem meus juízos
num estado de ferro e de diamante.
vou amansar uns ópios indecisos.
romério rômulo
desmontar a musa, 1
1.
eu pego da amada os parafusos
e reconheço cada, nos seus usos.
jumelos, lambrequins e outras gentes
monto e desmonto os olhos e os dentes.
daí carrego a musa em meus arreios
pra assegurar os tanques e os freios.
a vida já virou uma caçada
quem sabe dos chassis da minha amada?
2.
vou remontá-la toda, em madrugada
numa poesia de dança e gargalhada.
romério rômulo
maradona, virgulino e limeira, 1
1.
eu chamei maradona e virgulino
pra um serviço no couro do sertão
minha alma de santo e de menino
escondida num verso fescenino
se perdeu no primeiro palavrão.
2.
maradona sacou seu dom divino
virgulino vestiu de lampião
zé limeira ferveu no desatino
qualquer deles não tem comparação.
ninguém viu um encontro tão moderno
o sertão é o beco do inferno.
romério rômulo
maradona torceu o parafuso
1.
maradona torceu o parafuso
e bebeu o gol de muitas gentes
com o cântico dos cânticos cafuso
fez tremer as terras e os dentes
dos corpos a sobrar, todos confusos
por sua bala no teto dos desplantes
sob a injeção de deuses e descrentes
num pisar de anões e de gigantes
a encantar caretas e dementes.
2.
maradona torceu o parafuso
encontrou o pavão misterioso
com um gol, o mais belo e amoroso
fez cair toda regra em desuso
ao rasgar a nervura do tufão.
maradona, percebido furacão
a caber numa banda de tambores
com a alma mordida de amores
sex pistol que joga com a mão
carregado na poeira dos andores
por um santo de cícero romão.
3.
pra mirar no poeta, cão recluso
maradona torceu o parafuso.
romério rómulo