Archive for 17 abril, 2010

“a genética da coisa”

(romério rómulo na germina literatura)

O Grito, Edvard Munch, 1893, Óleo e Pastel S/Cartão, 91×73,5 cm, Galeria Nacional de Oslo, Noruega

 

 (o grito)

por romério rômulo 
 
 O poema 

há um relato de voz naquela voz, 
tão retorcida voz, toda ela espanto. 
o corpo que é voz tem um esgar 
que deixa de ser corpo e é só voz. 
 
se munch se dissesse, rediria 
a voz candente, noite de gravura, 
que é gravura e voz que firma a tela. 
 
intensos tão meandros destes traços 
que num itálico do grito a fala sente 
o homem ser só grito, sem mais homem. 
 
(romério rômulo, “matéria bruta”, 2006) 

 Razão 
 

1. o desafio aceito: o caminho 
 
recebo, do josé aloise, o convite/convocação para escrever “a genética da coisa”. 
coisa que é o meu poema “o grito”, trabalhado sobre o munch. aceito. 
cabe buscar o quê dizer. não domino os aparatos críticos. o caminho será o relato 
do caminho de chegada ao poema. que forças me moveram. 
é mais um percorrer a mim mesmo, com as influências que me amarram. 
sempre estive mais para fazendeiro do ar. 
 
“sou fazendeiro do ar, 
do mar, índia, portugal, 
de natal, das trevas, minas. 
sou fazendeiro da noite, 
sou fazendeiro esquisito, 
mais pra feio que bonito, 
menos do bem que do mal. 
claros delírios, donzelas 
verdes azuis amarelas, 
nascentes do meu jardim. 
fazendeiro de fazendas, 
mistura de pano e rendas, 
de bois, jumentos e éguas. 
cada passo eu piso léguas 
da fazenda que há em mim.” 
 
(trato) 
 
(romério rômulo, “bené para flauta e murilo”, 1996)
 
 
 

2. o meu interesse agudo nas artes plásticas 
 
as artes plásticas sempre me tocaram de forma especial. isto só fez crescer a partir da minha 
convivência em tempo integral com o meu camarada, amigo, irmão, carlos scliar. o cotidiano 
tomado de telas, objetos, gravuras, desenhos, histórias, biografias, discussões, me movimentou  
forte neste caminho da arte. eu tive nele um mestre permanentemente disposto a contribuir, 
esclarecer, questionar. me fortaleci. 
daí o falar, na poesia, das artes plásticas e dos artistas, cresceu. sobre o scliar e o seu trabalho, 
me manifestei várias vezes. sintetizado: 
 
scliar, carlos 
 
“suspira objeto endiabrado, 
natureza desmontada. 
cada traço remonta. 
 
de muito, faz desassombros na tela.” 
 
(romério rômulo, “bené para flauta e murilo”, 1990)
 
 
uma breve palavra sobre o amigo desafiador.
 
 

3. picasso, o galo bélico 
 
nesta conversa, picasso é uma obrigação. vejo um galo desenhado por ele em 1938. 
agudo como todos os galos e mais agudo por ser de picasso. daí sai o 
“galo bélico, picasso, 38”. 
 
“agudo ângulo, reteso, o galo vinca 
a noite que desnuda no pescoço. 
um galo válido, picasso, 38, 
quadrimestria, no cubo, quintessência. 
fala reta, de galo, quase reto 
como se outro galo não possível. 
 
um galo amplo, falado como espera 
de outra tão manhã, picassiana.” 
 
(romério rômulo, “tempo quando”, 1996) 
 
afinal, o poema é plástico. vou dizer das artes e dos artistas através dele.
 
 

4. uma sequência obrigatória: “a tua noite é vesga, a tua ânsia é água” 
 
alguns gritos, de vária dimensão, aparecem. o ovo é a origem. 
 
”o ovo é um riso e afago da manhã. 
seu branco é texto da pele de um dente 
que quebrado traz podre, enxofre, galo. 
se um picasso sabe, ele o transforma ovo. 
 
picasso, cúbico, do ovo, mondrian 
fazido cores puras, geometria rouca 
de levar tapa de cérebro escarlate 
com tanta vida a defender de traços. 
 
se ovo fui, quieto arregacei 
umas manhãs-kandinsky, voluptuosas 
de cor. talvez uma quirera 
se benfazeja seja faça-se roault.” 
 
(romério rômulo, “matéria bruta”, 2006)
 
 

5. munch: a angústia desmonta 
 
no fundo impacto do expressionismo, munch delimita. não há como passar ileso 
por ele. a amargura do personagem/ser na ponte, o torcido do corpo e da boca, 
as linhas gerais da imagem, as cores que submetem o meu olho, levam a que eu me manifeste. 
o grito me caça. aquele ente vedado, puro grito e ânsia, é o que sobra em palavra. 
 
“intensos tão meandros destes traços 
que num itálico do grito a fala sente 
o homem ser só grito, sem mais homem.”
 
 

Romério Rômulo (Ouro Preto/MG). Nasceu em Felixlândia, MG. Professor de Economia Política da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e um dos fundadores do Instituto Cultural Carlos Scliar (Ouro Preto, MG). Prefaciou a primeira edição assinada das poesias eróticas de Bernardo Guimarães, O Elixir do Pajé (Edições Du bolso, Sabará, MG, 1988), mais de 100 anos depois da edição original. Até então todas eram clandestinas. Publicou vários livros de poesia, entre eles Bené para Flauta e Murilo (1990), caixa Tempo Quando (4 livros em 2 volumes, 1996), Matéria Bruta (Editora Altana, São Paulo, SP, 2006) e per augusto & machina (Editora Altana, São Paulo, SP, 2009). romerioromulo@hotmail.com 

 

17 abril, 2010 at 3:36 pm 11 comentários


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